Um Guia Prático para uma Atuação Policial Inclusiva e Segura
Sumário
1. Introdução: A Nova Fronteira da Segurança Pública
2. Capítulo 1: O Que São Doenças Ocultas e Neurodivergência?
3. Capítulo 2: A Psicologia por Trás do Comportamento
4. Capítulo 3: Guia Prático de Abordagem por Condição
5. Capítulo 4: Técnicas de Comunicação e Linguagem Apropriadas
6. Capítulo 5: Diferenciando Crises: Neurodivergência vs. Surto Psicótico
7. Capítulo 6: Princípios de Ouro da Abordagem Inclusiva
8. Conclusão: Proteger e Servir a Todos
9. Referências Bibliográficas
Introdução: A Nova Fronteira da Segurança Pública
No exercício da função policial, o inesperado é a rotina. Cada abordagem é um universo único, e nem sempre as condições que influenciam o comportamento de um cidadão são visíveis aos olhos. As chamadas doenças ocultas transtornos neurológicos e mentais sem marcadores físicos evidentes representam um desafio crescente e exigem do agente de segurança pública mais do que técnica e protocolo: exigem inteligência emocional, empatia operacional e conhecimento sobre o funcionamento humano.
A segurança pública moderna não pode mais se limitar à aplicação mecânica da lei. Vivemos em uma sociedade cada vez mais consciente da diversidade humana, e essa consciência chegou às ruas, às escolas, aos hospitais e, inevitavelmente, às abordagens policiais. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que aproximadamente 1 em cada 8 pessoas no mundo vive com algum transtorno mental, e estudos recentes apontam que cerca de 15 a 20% da população apresenta alguma forma de neurodivergência, incluindo autismo, TDAH, dislexia, entre outros.
Isso significa que, em uma abordagem policial de rotina, há uma probabilidade significativa de que o cidadão abordado esteja vivenciando uma condição que afeta diretamente sua capacidade de compreender instruções, controlar impulsos, processar estímulos sensoriais ou regular emoções. Ignorar essa realidade não é apenas uma falha ética — é um risco operacional. Abordagens inadequadas a pessoas neurodivergentes ou em crise de saúde mental têm resultado em escaladas de violência evitáveis, uso desnecessário da força, traumas para todos os envolvidos e, em casos extremos, tragédias que poderiam ter sido prevenidas.
Este e-book foi desenvolvido para preencher uma lacuna crítica na formação policial: a capacitação para reconhecer, compreender e abordar adequadamente pessoas com condições atípicas. O material que você tem em mãos não é apenas um manual de boas práticas, mas uma ferramenta de sobrevivência tática e humanização profissional. Ele foi construído com base em evidências científicas da psicologia, neurociência e estudos sobre desescalada de conflitos, e traduz esse conhecimento em ações práticas e diretas para o dia a dia nas ruas.
O objetivo é claro: fornecer ao policial o conhecimento necessário para decodificar comportamentos, identificar sinais de neurodivergência ou crise psicológica, adaptar a comunicação e a postura, e conduzir abordagens que garantam a segurança de todos do cidadão ao agente, da comunidade à instituição. Compreender que uma reação atípica pode ser um sintoma neurológico, e não um ato de desacato ou resistência, é o primeiro passo para uma atuação policial verdadeiramente moderna, eficaz e humana.
A polícia do século XXI precisa ser tão preparada para lidar com a diversidade mental quanto é para lidar com situações de risco físico. E essa preparação começa aqui, com a disposição de aprender, de questionar pressupostos e de reconhecer que proteger e servir significa proteger e servir todos, em toda a sua complexidade e diversidade.
Capítulo 1: O Que São Doenças Ocultas e Neurodivergência?
1.1. Desmistificando o “Normal”: O Cérebro como um Espectro
Durante décadas, a medicina e a psicologia operaram sob a premissa de que existe um funcionamento cerebral “normal” ou “típico”, e que qualquer desvio desse padrão seria uma patologia a ser corrigida. Essa visão está mudando. A neurociência contemporânea reconhece que o cérebro humano é incrivelmente diverso, e que essa diversidade não é uma falha, mas uma característica fundamental da nossa espécie.
O termo neurodivergência surgiu nos anos 1990, cunhado pela socióloga australiana Judy Singer, que é autista. Ele descreve pessoas cujas mentes processam informações, emoções e estímulos de maneira diferente do padrão considerado “neurotípico”. A neurodivergência não é uma doença. É uma variação natural no funcionamento neurológico, assim como a altura, a cor dos olhos ou a preferência manual (destro ou canhoto) são variações naturais.
Essa mudança de perspectiva é crucial para o trabalho policial. Quando entendemos que uma pessoa autista não está “quebrada” ou “defeituosa”, mas simplesmente processa o mundo de forma diferente, nossa abordagem muda. Deixamos de tentar “consertar” o comportamento e passamos a adaptar nossa comunicação e postura para criar um ambiente em que a pessoa possa cooperar.
A psicologia moderna enfatiza que não existe um cérebro “normal”, mas sim um espectro de funcionamentos. Alguns cérebros são extremamente sensíveis a estímulos sensoriais. Outros têm dificuldade em regular impulsos. Alguns processam emoções de forma intensa e rápida, enquanto outros precisam de mais tempo para identificar o que estão sentindo. Nenhuma dessas características é, por si só, um problema — elas se tornam desafios quando o ambiente não está preparado para acomodá-las.
Para o agente de segurança, isso significa que a variabilidade de reações é a regra, não a exceção. Duas pessoas abordadas na mesma situação podem reagir de formas radicalmente diferentes, não por má-fé ou intenção criminosa, mas porque seus cérebros estão interpretando e respondendo àquela situação de maneiras distintas. Reconhecer isso é o primeiro passo para uma abordagem mais segura e eficaz.
1.2. O Conceito de “Doenças Ocultas”
O termo “doenças ocultas” refere-se a condições de saúde — físicas, neurológicas ou mentais — que não apresentam sinais externos visíveis. Ao contrário de uma fratura exposta ou de uma cadeira de rodas, que são imediatamente perceptíveis, as doenças ocultas são invisíveis aos olhos, mas profundamente impactantes no comportamento e na capacidade de resposta da pessoa.
No contexto da segurança pública, as doenças ocultas mais relevantes são aquelas que afetam o processamento sensorial, a regulação emocional, a comunicação e o controle de impulsos. Essas condições podem fazer com que uma pessoa reaja de forma aparentemente “estranha” ou “inadequada” a uma abordagem policial, não por desrespeito ou resistência, mas porque seu cérebro está em sobrecarga ou interpretando a situação como uma ameaça existencial.
Um agente pode se deparar com uma pessoa aparentemente calma e saudável, mas que internamente está vivendo:
-Uma sobrecarga sensorial causada pela sirene da viatura, pelas luzes piscantes e pelo tom de voz elevado.
-Uma crise de ansiedade desencadeada pela quebra abrupta de sua rotina.
– Um episódio de desregulação emocional em que o cérebro perdeu temporariamente a capacidade de controlar impulsos.
– Um delírio ou alucinação que distorce completamente sua percepção da realidade.
Essas experiências internas não são visíveis, mas são reais e intensas. E a forma como o policial responde a elas pode determinar se a situação será resolvida pacificamente ou se escalará para um confronto perigoso.
1.3. Principais Condições e Suas Características
A seguir, apresentamos as condições neurodivergentes e de saúde mental mais comuns que um policial pode encontrar em campo. É importante ressaltar que essas condições não são mutuamente exclusivas — uma pessoa pode ter mais de uma condição ao mesmo tempo (comorbidade), o que pode tornar o comportamento ainda mais complexo.
Transtorno do Espectro Autista (TEA):Afeta a comunicação, a interação social e o processamento sensorial. O termo “espectro” indica uma vasta gama de manifestações. Algumas pessoas com TEA se comunicam normalmente, mas têm dificuldade em interpretar expressões faciais, ironias ou mudanças de rotina. Outras não falam, evitam contato visual e podem reagir de forma intensa a sons, luzes ou toques.
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH): Caracterizado por desatenção, impulsividade e, por vezes, inquietação motora. Durante uma abordagem, a pessoa pode ter dificuldade em manter o foco nas instruções ou reagir de forma impulsiva.
Transtorno Opositivo-Desafiador (TOD): Padrão de humor irritável, comportamento desafiador e hostilidade, especialmente contra figuras de autoridade. Diagnosticado na infância, pode evoluir para transtornos mais graves se não tratado adequadamente.
Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC): Presença de pensamentos obsessivos que geram ansiedade, aliviada por rituais compulsivos. Interromper esses rituais pode causar intenso desconforto e pânico.
Síndrome de Tourette: Caracterizada por tiques motores e vocais involuntários que podem ser confundidos com comportamento provocativo.
Essas condições são conhecidas como “doenças ocultas”, pois muitas vezes não apresentam sinais físicos evidentes. Um agente pode se deparar com uma pessoa aparentemente calma, mas que internamente vive uma sobrecarga sensorial, emocional ou cognitiva.
1.4. Por Que Isso Importa para o Policial?
Compreender essas condições não é apenas uma questão de empatia ou “politicamente correto”. É uma questão de segurança operacional e eficácia tática. Quando um policial interpreta erroneamente uma sobrecarga sensorial autista como resistência, ou um tique de Tourette como provocação, a situação pode escalar desnecessariamente. O uso de força pode ser aplicado onde não era necessário. A confiança da comunidade na polícia é abalada. E, em casos extremos, vidas são perdidas.
Por outro lado, quando o policial reconhece os sinais, adapta sua abordagem e usa técnicas de desescalada adequadas, a situação é resolvida de forma mais rápida, segura e humana. O cidadão coopera. O agente se protege. A instituição policial é fortalecida.
Este conhecimento salva vidas. E começa aqui, com a disposição de aprender e de ver cada pessoa abordada como um ser humano complexo, e não apenas como um “suspeito” ou um “problema”.
Capítulo 2: A Psicologia por Trás do Comportamento
Uma abordagem policial é, por natureza, um evento estressante. Para uma pessoa neurodivergente, esse estresse pode ativar mecanismos neurológicos que resultam em comportamentos mal interpretados como resistência ou ameaça.
2.1. Sobrecarga Sensorial (Overload)
Pessoas com TEA e outras condições podem ter hipersensibilidade a sons (sirenes, rádio), luzes (giroflex) e toques. Quando os estímulos ultrapassam a capacidade de processamento do cérebro, ocorre uma sobrecarga sensorial. A reação pode ser de fuga (correr), luta (agressividade) ou congelamento (mutismo, imobilidade).
Base Teórica: A teoria da Integração Sensorial, desenvolvida pela terapeuta ocupacional Jean Ayres, postula que o cérebro organiza as sensações para uso funcional. Uma disfunção nesse processo, comum no autismo, leva a respostas comportamentais atípicas a estímulos comuns. A sobrecarga sensorial acontece quando um estímulo intenso afeta a capacidade de enfrentamento, podendo ser desencadeado por um único evento (como uma sirene) ou pelo acúmulo de estímulos ao longo do dia.
2.2. Desregulação Emocional e a Resposta de “Luta, Fuga ou Congelamento”
A amígdala, centro emocional do cérebro, é responsável por detectar ameaças e disparar a resposta de “luta, fuga ou congelamento”. Em pessoas com TOD ou TEA, essa estrutura pode ser hiper-reativa. Uma ordem direta ou um tom de voz elevado podem ser interpretados pelo cérebro como uma ameaça existencial, ativando uma resposta defensiva e impulsiva, e não uma escolha deliberada de confronto.
Base Teórica: O neurocientista Stephen Porges, com sua Teoria Polivagal, explica como o sistema nervoso autônomo reage a sinais de segurança e perigo. Uma abordagem calma e empática ativa o sistema de engajamento social (nervo vago ventral), promovendo a cooperação. Uma abordagem hostil ativa o sistema de defesa (simpático ou vago dorsal), gerando reações de luta ou imobilidade. A Teoria Polivagal enfatiza que o estado autônomo e o estado fisiológico são fundamentais para a regulação do comportamento e das emoções.
2.3. A Necessidade de Previsibilidade e Controle
Para muitas pessoas neurodivergentes, especialmente com TOC e TEA, rituais e rotinas são estratégias para reduzir a ansiedade e dar ordem a um mundo caótico. Uma abordagem policial é a quebra abrupta dessa previsibilidade. Permitir que a pessoa complete um ritual ou explicar o próximo passo (“Agora vou pedir que me acompanhe até a viatura”) devolve uma mínima sensação de controle e pode evitar uma crise.
Base Teórica: A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) demonstra que a ansiedade é frequentemente alimentada pela incerteza e pela perda de controle. Quando adaptada para pessoas com TEA, a TCC foca em fornecer estrutura, previsibilidade e técnicas de regulação emocional, ajudando a reduzir a ansiedade e melhorar o controle de impulsos.
Capítulo 3: Guia Prático de Abordagem por Condição
3.1. Transtorno do Espectro Autista (TEA)
O TEA é uma condição do neurodesenvolvimento que afeta a comunicação, a interação social e o processamento sensorial. Estima-se que 1 em cada 100 crianças no mundo seja autista, segundo a OMS, embora estudos recentes sugiram que esse número pode ser ainda maior devido a subdiagnósticos, especialmente em mulheres e adultos.
O termo “espectro” é fundamental para compreender o autismo. Ele indica uma vasta gama de manifestações, que vão desde pessoas que não falam e precisam de suporte intensivo no dia a dia, até pessoas que falam fluentemente, têm carreiras bem sucedidas, mas apresentam diferenças sutis na forma de se comunicar e interpretar o mundo social.
Sinais de Alerta: Pessoa com TEA em Crise
Independentemente do nível de suporte, uma pessoa autista pode entrar em crise durante uma abordagem policial devido à sobrecarga sensorial ou emocional.
Reconhecer os sinais é crucial: Sinais de sobrecarga: – Cobrir os ouvidos com as mãos – Balançar o corpo intensamente – Gritar ou fazer sons repetitivos – Tentar fugir ou se esconder – Movimentos repetitivos aumentados (flapping, girar) – Olhar fixo ou “vazio” – Respiração acelerada – Autolesão (bater a cabeça, morder-se)
O que fazer imediatamente:
1. Reduza estímulos: Desligue sirenes, afaste pessoas, diminua luzes
2. Dê espaço físico: Não se aproxime, não toque
3. Fale com voz calma e baixa ou não fale (silêncio pode ajudar)
4. Acione acompanhante ou SAMU
5. Aguarde a pessoa se autorregular (pode levar minutos)
6. Não interprete como resistência (é uma resposta neurológica involuntária)
Níveis de Suporte do TEA
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), o TEA é classificado em três níveis de suporte, baseados na quantidade de apoio que a pessoa necessita no dia a dia.
Nível 1 – Requer Suporte
Este é o nível com menor necessidade de suporte. A pessoa geralmente consegue viver de forma independente, mas apresenta dificuldades específicas em situações sociais e mudanças de rotina.
Características principais: – Consegue falar em frases completas e se comunicar – Tem dificuldade em interpretar sinais sociais sutis (expressões faciais, tom de voz, ironias) – Tende a ser literal na interpretação de linguagem – Apresenta interesses específicos e intensos em determinados temas – Preferência por rotinas e dificuldade com mudanças inesperadas – Pode ter sensibilidades sensoriais moderadas.
Abordagem policial recomendada: – Comunicação direta e clara: Use frases curtas e objetivas. Evite linguagem figurada, ironias ou expressões ambíguas.  
Dê instruções específicas: “Coloque as mãos sobre o capó do carro” em vez de “Colabore” ou “Fique quieto”.
Tenha paciência: Permita tempo para processamento das informações. Conte mentalmente até 10 antes de repetir a instrução.
Reduza estímulos: Se possível, desligue sirenes e baixe o volume do rádio.
Chame a pessoa pelo nome: Isso torna o contato mais pessoal e ajuda a captar a atenção.
Nível 2 – Requer Suporte
Neste nível, as dificuldades são mais evidentes e a pessoa necessita de suporte significativo para lidar com situações sociais e mudanças.
Características principais: – Pode ter fala limitada ou usar frases curtas e simples – Dificuldade significativa em iniciar interações sociais – Respostas sociais podem parecer “estranhas” ou inadequadas – Pode evitar completamente o contato visual – Movimentos repetitivos mais evidentes (balançar o corpo, bater as mãos – “flapping”) – Resistência intensa a mudanças de rotina – Pode ter crises de ansiedade ou “meltdowns” (colapsos emocionais) quando sobrecarregado – Sensibilidades sensoriais mais intensas
Abordagem policial recomendada: – Comunicação ainda mais simplificada: Use palavras simples e frases muito curtas. – Instruções detalhadas e sequenciais: “Primeiro, solte o que está segurando. Agora, coloque as mãos onde eu possa ver.”
Evite toques inesperados: Anuncie qualquer ação antes de executá-la. “Vou me aproximar agora.”
Reduza ao máximo os estímulos sensoriais: Ambiente calmo é essencial para evitar sobrecarga. – Busque apoio de acompanhantes: Se houver familiar ou cuidador presente, peça ajuda para comunicação.
Dê mais tempo: A pessoa pode precisar de vários minutos para processar e responder.
Observe sinais de sobrecarga: Se a pessoa começar a se balançar, cobrir os ouvidos ou se afastar, ela pode estar entrando em crise sensorial.
Nível 3 – Requer Suporte Muito Substancial
Este é o nível com maior necessidade de suporte. A pessoa geralmente necessita de acompanhamento constante e tem dificuldades severas na comunicação.
Características principais: – Pode ser completamente não-verbal ou usar apenas algumas palavras – Pode usar comunicação alternativa (cartões com imagens, dispositivos eletrônicos) – Interação social muito limitada ou ausente – Pode não responder quando chamado pelo nome – Movimentos repetitivos intensos e frequentes – Pode ter comportamentos autolesivos quando em crise (bater a cabeça, morder-se) – Reações extremas a estímulos sensoriais – Necessidade absoluta de rotinas previsíveis
Abordagem policial recomendada: – Intervenção com máximo de calma: Qualquer agitação pode piorar drasticamente a situação.
Presença de profissional de saúde mental ou familiar: ESSENCIAL. Não tente abordar sozinho se possível. –
Comunicação não-verbal: Use gestos calmos e lentos.
Ambiente extremamente controlado: Elimine todos os estímulos possíveis (sirenes, luzes, ruídos, multidões).
Não force contato visual ou físico: Isso pode causar crise severa.
Observe objetos de conforto: A pessoa pode ter um objeto (brinquedo, cobertor) que a acalma. Não remova.
Acionamento de suporte especializado: SAMU ou equipe de saúde mental deve ser acionada imediatamente. – Paciência extrema: A pessoa pode levar muito tempo para responder ou pode não responder verbalmente.
Segurança tática: Mantenha distância segura, mas não ameaçadora.
Considerações Importantes
O nível de suporte NÃO indica inteligência. Muitas pessoas no Nível 1 têm inteligência acima da média. Algumas pessoas no Nível 3 também podem ter habilidades cognitivas preservadas, mas têm dificuldade em expressá-las.
O nível pode variar conforme o contexto. Uma pessoa que funciona bem em casa pode precisar de mais suporte em situações de estresse. Uma abordagem policial é sempre uma situação de alto estresse, e mesmo uma pessoa de Nível 1 pode reagir como se fosse Nível 2 ou 3.
Não há “cura” para o autismo. É uma condição neurológica permanente. A pessoa não está “fingindo” ou “sendo difícil”. Ela está genuinamente sobrecarregada ou confusa.
A empatia e a adaptação salvam vidas. Uma abordagem inadequada pode resultar em trauma severo para a pessoa autista, escalada de violência e risco para o agente. Uma abordagem adaptada resolve a situação de forma mais rápida, segura e humana para todos os envolvidos.
LEMBRE-SE
Ao se deparar com um atendimento atípico aja da seguinte forma:
Comunicação:  Use frases curtas, literais e diretas. Evite ironias, metáforas e linguagem figurada. – Chame a pessoa pelo nome para tornar o contato mais pessoal. Fale normalmente, sem infantilizar a linguagem. Dê instruções uma de cada vez,
aguardando a resposta antes de prosseguir.
Ambiente:  Reduza estímulos sensoriais. Se possível, desligue a sirene e baixe o volume do rádio. Evite contato visual fixo, que pode ser interpretado como ameaçador. – Conduza a abordagem em ambiente com menos luz, som e movimento, quando possível.
Ação: Anuncie suas ações antes de executá-las: “Vou me aproximar”, “Preciso que me mostre suas mãos”.  Evite toques inesperados. Movimentos bruscos ou toques sem consentimento podem causar desconforto extremo. – Permita o uso de objetos de autorregulação (fones de ouvido, brinquedos sensoriais, objetos familiares). – Respeite sensibilidades sensoriais: a pessoa pode ter reações intensas a texturas, sons ou
odores.
Durante uma Crise: Não discuta nem ameace. Isso agrava o estado emocional e pode gerar risco. Dê instruções simples e pausadas. A calma do agente influencia diretamente na resposta da pessoa. – Aguarde a iniciativa. Se a pessoa se afastar ou evitar contato, respeite o tempo de autorregulação. Envolva acompanhantes. Familiares ou responsáveis conhecem os gatilhos e estratégias de conforto
3.2. Transtorno Opositivo-Desafiador (TOD): Da Infância à Vida Adulta
O Transtorno Opositivo-Desafiador (TOD) é um transtorno comportamental caracterizado por um padrão persistente de humor irritável, comportamento argumentativo e desafiador, e vindictividade. Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), o TOD é diagnosticado predominantemente na infância, geralmente antes dos 8 anos de idade, embora possa ser identificado em crianças mais velhas e adolescentes.
Diagnóstico e Fases do Desenvolvimento
Infância (5 a 12 anos): Os sintomas do TOD geralmente surgem na primeira infância e incluem: – Perda frequente da paciência – Discussões excessivas com adultos – Desafio ativo ou recusa em obedecer regras – Comportamento deliberado para incomodar outras pessoas – Culpabilização de outros por seus próprios erros – Irritabilidade e raiva frequentes – Rancor e vingança.
Para o diagnóstico, esses comportamentos devem estar presentes por pelo menos 6 meses e ocorrer com frequência e intensidade superiores ao esperado para a idade e o nível de desenvolvimento da criança.
Adolescência (13 a 18 anos): Quando o TOD não é diagnosticado ou tratado adequadamente na infância, há um risco significativo de evolução para o Transtorno de Conduta (TC), que é considerado mais grave. Estudos indicam que aproximadamente 30% a 50% das crianças com TOD desenvolvem Transtorno de Conduta na adolescência.
O Transtorno de Conduta é caracterizado por: – Violação grave dos direitos dos outros – Agressão a pessoas e animais – Destruição de propriedade – Fraude ou roubo – Violações graves de regras sociais e legais
Vida Adulta (18+ anos): Na vida adulta, quando o TOD e o Transtorno de Conduta não são tratados, há um risco elevado de evolução para o Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS). Estudos longitudinais demonstram que cerca de 40% dos adultos que tiveram TOD não tratado desenvolvem características de personalidade antissocial, incluindo: – Desrespeito persistente por normas sociais e leis – Impulsividade e falta de planejamento – Irritabilidade e agressividade – Desprezo pela segurança própria e alheia – Irresponsabilidade consistente – Ausência de remorso.
Consequências do TOD Não Tratado
A ausência de intervenção precoce e especializada no TOD pode resultar em uma cascata de consequências ao longo da vida:
Na Adolescência: – Abandono escolar e baixo desempenho acadêmico – Envolvimento com uso de substâncias (álcool e drogas) – Conflitos frequentes com a lei (atos infracionais) – Relacionamentos interpessoais prejudicados – Isolamento social ou envolvimento com grupos de risco – Maior vulnerabilidade à exploração e vitimização.
Na Vida Adulta: – Dificuldades significativas no mercado de trabalho (demissões frequentes, conflitos com supervisores) – Relacionamentos afetivos instáveis e violentos – Envolvimento em atividades criminosas – Abuso de substâncias e dependência química – Problemas com a justiça (prisões, processos judiciais) – Transtorno de Personalidade Antissocial – Baixa qualidade de vida e isolamento social.
A Importância da Intervenção Precoce
A literatura científica é unânime: a intervenção precoce é fundamental. Quando o TOD é diagnosticado na infância e a criança recebe atendimento especializado (psicoterapia, especialmente a Terapia Cognitivo-Comportamental, e suporte familiar), o prognóstico melhora significativamente. Estudos demonstram que:
- A TCC adaptada para crianças com TOD reduz comportamentos opositivos em até 60%
 - O treinamento de pais e cuidadores melhora a dinâmica familiar e reduz conflitos
 - A intervenção escolar integrada diminui o risco de abandono escola
 - O acompanhamento multidisciplinar (psicólogo, psiquiatra, assistente social) previne a evolução para transtornos mais graves
 
Como o Policial Deve Abordar uma Pessoa com TOD
Durante uma abordagem policial, é fundamental compreender que a pessoa com TOD (seja criança, adolescente ou adulto) não está sendo “mal-educada” por escolha, mas expressa um padrão emocional desregulado com baixa tolerância à frustração e reação impulsiva diante de ordens.
Comunicação: – Ofereça escolhas limitadas: “Podemos conversar aqui ou dentro da viatura?”. Isso dá uma sensação de autonomia. – Use frases colaborativas: “Preciso da sua ajuda para resolvermos isso”. – Dê tempo para a pessoa se reorganizar emocionalmente antes de insistir em uma resposta.
Postura: – Mantenha-se firme, mas não autoritário. O confronto direto alimenta a oposição. – Evite linguagem de imposição. Troque “Você tem que fazer isso” por “Vamos fazer assim, pode ser?”. – Não personalize a oposição. Entenda que é um sintoma, não um ataque pessoal.
Atitude: – Reforce comportamentos colaborativos: “Agradeço por manter a calma”. – Mantenha-se emocionalmente regulado. O TOD “testa” limites, e o descontrole do policial pode escalar o conflito. – Se a pessoa for adolescente ou adulto jovem, considere a possibilidade de histórico de TOD não tratado e ajuste sua abordagem para evitar escalada.
Sinais de Alerta para Possível Transtorno de Conduta ou Personalidade Antissocial: – Histórico de envolvimento com a justiça desde a adolescência – Comportamento manipulador e ausência de remorso – Agressividade desproporcional e impulsividade extrema – Desprezo total por normas e autoridade
Nesses casos, a abordagem deve priorizar a segurança tática, mantendo distância adequada, solicitando apoio e evitando situações de confronto direto que possam escalar para violência.
3.3. Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC)
O TOC é marcado por pensamentos obsessivos e comportamentos compulsivos usados para aliviar a ansiedade. Em uma abordagem policial, uma pessoa com TOC pode demorar para responder, recusar contato físico ou insistir em repetir ações.
Paciência: – A pessoa pode precisar executar um ritual (tocar em algo, verificar fechaduras, repetir gestos) para controlar a ansiedade. – Interromper bruscamente pode causar pânico e intensificar a ansiedade.
Comunicação: – Explique o procedimento de forma clara e calma. A previsibilidade reduz a ansiedade. – Mantenha o tom calmo e informe o que vai acontecer antes de agir.
Ação: – Se um ritual não oferece risco, permita que ele seja concluído. – Seja paciente e demonstre compreensão. – Reduza estímulos e ruídos para não agravar a ansiedade.
Capítulo 4: Técnicas de Comunicação e Linguagem Apropriadas
Quando um policial suspeita que está diante de uma pessoa com condição atípica, a forma como se comunica pode ser o fator decisivo entre uma abordagem bemsucedida e uma escalada de conflito. A comunicação adequada não é apenas uma questão de humanização, mas uma estratégia tática de segurança.
4.1. Princípios da Comunicação Não-Violenta (CNV) na Abordagem Policial
A Comunicação Não-Violenta, desenvolvida por Marshall Rosenberg, é uma abordagem que enfatiza a empatia, a escuta ativa e a expressão honesta de necessidades. Na segurança pública, a CNV tem sido cada vez mais adotada como ferramenta de desescalada de conflitos.
Os quatro pilares da CNV aplicados à abordagem:
1. Observação sem julgamento: Descreva o que você vê, sem interpretar. Em vez de “Você está nervoso”, diga “Percebi que você está com as mãos tremendo”.
2. Identificação de sentimentos: Reconheça as emoções da pessoa. “Entendo que essa situação pode ser assustadora”.
3. Reconhecimento de necessidades: Valide a necessidade subjacente. “Você precisa de um momento para se acalmar?”
4. Formulação de pedidos claros: Faça solicitações específicas e viáveis. “Preciso que você coloque as mãos onde eu possa vê-las, por favor”.
4.2. Linguagem Verbal Apropriada
Tom de Voz: – Calmo, firme mas respeitoso – Volume moderado, sem gritar – Ritmo pausado, permitindo processamento – Evite variações bruscas de tom
Vocabulário: – Simples e direto, sem ambiguidades – Evite jargões policiais ou termos técnicos – Use frases afirmativas em vez de negativas – Evite sarcasmo, ironia ou metáforas
Estrutura das Frases: – Curtas e objetivas – Uma instrução por vez – Perguntas fechadas (sim/não) são mais fáceis de processar – Repita instruções importantes com as mesmas palavras
Frases Recomendadas: – “Estou aqui para ajudar” – “Vamos resolver isso juntos” – “Pode me explicar o que está acontecendo?” – “Vou fazer [ação], está bem?” – “Preciso que você [ação simples]” – “Entendo que você está [sentimento]. Vamos com calma.”
Frases a Evitar: – “Você tem que…” (imposição direta) – “Calma!” (pode aumentar ansiedade) – “Não é nada demais” (invalida o sentimento) – Perguntas complexas ou múltiplas – “Por que você fez isso?” (pode soar acusatório)
4.3. Linguagem Corporal e Postura
A comunicação não-verbal representa mais de 70% da mensagem transmitida em uma interação. Para pessoas neurodivergentes, especialmente aquelas com TEA, a leitura da linguagem corporal pode ser difícil, mas a percepção de ameaça é aguçada.
Distância: – Mantenha no mínimo 1 metro de distância (zona de segurança pessoal) – Para pessoas em crise, aumente para 2-3 metros – Nunca invada o espaço pessoal abruptamente
Posição: – Levemente lateral, não frontal confrontativa – Evite “encurralar” a pessoa contra paredes ou cantos – Mantenha sempre uma “rota de fuga” visível para a pessoa
Mãos: – Visíveis, em posição neutra – Evite gestos bruscos ou apontamentos – Não posicione as mãos sobre a arma sem necessidade real
Expressão Facial: – Neutra ou levemente empática – Evite expressões de raiva, impaciência ou desprezo – Um leve aceno de cabeça demonstra escuta ativa
Contato Visual: – Moderado, não fixo ou intenso – Para pessoas com TEA, o contato visual pode ser desconfortável – Olhe para a região do rosto, não necessariamente nos olhos
4.4. Técnicas de Desescalada de Conflitos
Baseadas em estudos de psicologia policial e nos “4 Cs da Desescalada” (Containment, Control, Contact, Communication), as técnicas a seguir são fundamentais:
1. Contenção (Containment): – Controle o ambiente, não a pessoa – Isole a área de curiosos – Reduza estímulos externos (desligue sirenes, afaste multidões)
2. Controle (Control): – Mantenha o controle emocional de si mesmo – Sua calma é contagiante – Respire profundamente antes de falar
3. Contato (Contact): – Estabeleça conexão humana – Use o nome da pessoa – Demonstre que você a vê como pessoa, não como ameaça
4. Comunicação (Communication): – Escuta ativa: deixe a pessoa falar – Valide sentimentos: “Entendo que você está frustrado” – Ofereça soluções: “Vamos tentar resolver isso juntos”
4.5. A Abordagem Centrada na Pessoa (Carl Rogers)
A psicologia humanista de Carl Rogers propõe que toda pessoa tem uma tendência inata à autorrealização e ao crescimento. Na abordagem policial, isso se traduz em três princípios fundamentais:
Empatia: A capacidade de compreender o mundo interno da pessoa, mesmo que você não concorde com suas ações. Pergunte-se: “Como essa pessoa está percebendo esta situação?”
Aceitação Incondicional Positiva: Trate a pessoa com respeito e dignidade, independentemente do comportamento que ela está apresentando. Separe a pessoa do ato.
Congruência: Seja autêntico. Não finja calma se está nervoso, mas regule suas emoções antes de agir. A pessoa percebe a incongruência e isso gera desconfiança.
4.6. Hierarquia de Necessidades de Maslow Aplicada à Abordagem
Abraham Maslow propôs que as necessidades humanas são hierárquicas, e a necessidade de segurança é uma das mais básicas. Durante uma abordagem policial, a pessoa está com sua necessidade de segurança ameaçada. Antes de exigir cooperação (uma necessidade social), você precisa restaurar a sensação de segurança.
Como aplicar:
– Comunique que não há intenção de causar dano: “Estou aqui para garantir que todos fiquem seguros, incluindo você”
– Explique o que vai acontecer: “Vou fazer uma verificação rápida e depois conversamos”
– Demonstre previsibilidade: “Primeiro vou pedir seus documentos, depois vamos conversar sobre o que aconteceu”
Capítulo 5: Diferenciando Crises: Neurodivergência vs. Surto Psicótico
5.1. Uma Distinção Vital para a Segurança
No campo, a habilidade de diferenciar uma crise associada à neurodivergência de um surto psicótico agudo é mais do que um detalhe técnico: é uma competência fundamental para a segurança de todos. Embora ambas as situações possam envolver comportamentos atípicos e desafiadores, suas origens neurológicas e psicológicas são distintas, exigindo abordagens radicalmente diferentes. Confundir uma sobrecarga sensorial autista com um delírio psicótico pode levar a uma escalada de força desnecessária e perigosa.
5.1. Uma Distinção Vital para a Segurança
A neurodivergência (como TEA, TDAH, TOD) é uma variação no desenvolvimento e funcionamento neurológico. Uma “crise” em uma pessoa neurodivergente geralmente é uma reação a um gatilho ambiental ou emocional, como sobrecarga sensorial, quebra de rotina ou ansiedade extrema. A pessoa não perde o contato com a realidade, mas sim a capacidade de regular suas respostas a ela.
O surto psicótico, por outro lado, é um episódio agudo de um transtorno mental (como esquizofrenia, transtorno bipolar ou depressão grave) caracterizado por uma ruptura com a realidade. A pessoa pode experienciar alucinações (ver ou ouvir coisas que não existem) e/ou delírios (crenças falsas e irredutíveis, como estar sendo perseguida).
A tabela a seguir resume as principais diferenças para auxiliar na identificação em campo:
															5.1. Uma Distinção Vital para a Segurança
A abordagem a uma pessoa em surto psicótico é uma das intervenções de maior risco na atividade policial. O objetivo primário é conter a situação com o mínimo de força possível e acionar o serviço de saúde especializado (SAMU 192). A vida do indivíduo em surto e a segurança dos agentes e de terceiros são as prioridades absolutas.
Fase 1: Avaliação e Segurança da Cena (Os Primeiros 30 Segundos)
1. Identifique os Sinais: Procure por indicadores de psicose: a pessoa fala sozinha? Olha para pontos fixos onde não há nada? Apresenta discurso desorganizado, crenças bizarras (diz ser uma divindade, um agente secreto) ou medo extremo e irracional?
2. Mantenha Distância Segura (CRÍTICO): Aumente a distância de segurança padrão. Uma pessoa em surto é imprevisível. Mantenha no mínimo 4 a 6 metros de distância, se possível. Isso lhe dá mais tempo para reagir.
3. Busque Cobertura e Abrigo: Posicione-se de forma a ter uma barreira física (viatura, poste, muro) entre você e o indivíduo. Oriente seu parceiro a fazer o mesmo, criando um triângulo de segurança que evite que ambos sejam alvos fáceis.
4. Comunique-se com a Central: Informe imediatamente à central que se trata de uma ocorrência com indivíduo em aparente surto psicótico. Solicite apoio prioritário e o acionamento imediato do SAMU (Suporte Médico de Urgência), informando o estado do indivíduo (agitado, possivelmente armado, etc.).
5. Contenha o Ambiente: Isole a área para proteger o público. Evacue curiosos. O objetivo é criar um perímetro seguro e controlado, limitando o espaço de movimentação da pessoa em crise.
Fase 2: Tentativa de Desescalada Verbal (Comunicação Tática)
O objetivo aqui não é “convencer” a pessoa a sair do surto, o que é impossível, mas sim reduzir o nível de agitação e ganhar tempo até a chegada do socorro médico. Aja com base no princípio de que a pessoa está aterrorizada e confusa, e não agindo de forma maliciosa.
1. Apresente-se de Forma Calma e Clara: Use um tom de voz baixo, suave e sem pressa. Diga: “Meu nome é [seu nome], sou policial. Estou aqui para ajudar.” Repita isso quantas vezes for necessário.
2. Use Linguagem Simples e Não Ameaçadora: Evite ordens diretas e imperativas como “Larga isso!” ou “Pare agora!”. Prefira frases como: “Por favor, coloque esse objeto no chão para que possamos conversar” ou “Estou vendo que você está assustado. Vamos tentar resolver isso juntos.”
3. Não Confronte o Delírio: Discutir ou negar a realidade da pessoa (ex: “Não há ninguém te perseguindo”) é inútil e pode fazer com que ela o veja como um inimigo. Em vez disso, valide o sentimento, mas não o fato. Errado: “Não há câmeras te filmando.” Correto: “Eu entendo que você se sente vigiado, e isso deve ser assustador. Estou aqui para garantir que ninguém lhe faça mal.”
4. Mantenha as Mãos Visíveis e a Postura Aberta: Evite colocar a mão na arma, a menos que haja uma ameaça letal iminente. Mantenha uma postura neutra, com as palmas das mãos visíveis ocasionalmente, sinalizando que você não quer confronto.
5. Seja um Ouvinte Ativo: Deixe a pessoa falar, mesmo que o discurso seja ilógico. Isso pode ajudar a diminuir a pressão interna que ela está sentindo. Acene com a cabeça e use frases curtas como “Entendo” ou “Ok”.
Fase 3: Intervenção e Encaminhamento
1. Ação Coordenada com o SAMU: A chegada da equipe de saúde é o ponto de virada. Informe-os rapidamente sobre o comportamento da pessoa, o que foi dito e se há suspeita de uso de substâncias. A equipe médica tem o treinamento e os recursos (incluindo medicação de emergência) para manejar a crise de forma clínica.
2. Uso da Força como Último Recurso: O uso de força (incluindo contenção física e uso de instrumentos de menor potencial ofensivo) só deve ser considerado se houver um risco iminente e inevitável à vida do indivíduo, dos agentes ou de terceiros. A decisão deve ser sempre baseada na proporcionalidade e na necessidade.
3. A Contenção Segura: Se a contenção física for indispensável, ela deve ser realizada de forma rápida, técnica e em equipe, preferencialmente com a orientação da equipe do SAMU. O objetivo é imobilizar para permitir a aplicação de medicação, e não punir. Nunca obstrua as vias aéreas do indivíduo (asfixia postural) e monitore constantemente sua respiração.
4. Documentação Detalhada: Ao final, elabore um relatório de ocorrência completo, descrevendo todos os comportamentos que o levaram a crer que se tratava de um surto psicótico, todas as tentativas de desescalada verbal, o acionamento do SAMU e a justificativa para qualquer uso de força. Essa documentação é sua proteção legal e um registro importante da boa prática policial.
Lembre-se: Na dúvida, tempo e distância são seus maiores aliados. A prioridade é estabilizar a cena, garantir a segurança e entregar a pessoa aos cuidados médicos. Uma abordagem paciente e tática salva vidas, incluindo a sua.
Capítulo 6: Princípios de Ouro da Abordagem Inclusiva
Independentemente da condição específica, existem princípios universais que devem guiar toda abordagem policial a pessoas que apresentem sinais de neurodivergência ou crise de saúde mental. Estes princípios não são apenas diretrizes éticas, mas estratégias táticas de segurança que reduzem riscos e aumentam a eficácia da intervenção.
1. Observe Antes de Agir
Comportamento estranho não é sinônimo de culpa ou ameaça. Antes de interpretar uma reação como resistência ou desacato, procure por sinais de sobrecarga, confusão ou medo. Pergunte-se: “Essa pessoa está reagindo a mim ou a algo que eu não consigo ver?”
2. Adapte a Comunicação
Fale de forma simples, clara e calma. Reduza a velocidade da sua fala, use frases curtas e evite múltiplas instruções simultâneas. A clareza na comunicação é uma ferramenta de desescalada.
3. Reduza Estímulos
O ambiente da abordagem pode ser a causa da crise. Sempre que possível, desligue sirenes, baixe o volume do rádio, afaste curiosos e conduza a interação em um local mais tranquilo. Um ambiente controlado facilita a cooperação.
4. Anuncie Suas Ações
Previsibilidade gera segurança. Antes de se aproximar, tocar ou movimentar a pessoa, anuncie o que você vai fazer. Isso reduz o medo e a sensação de ameaça, diminuindo a probabilidade de reações defensivas.
5. Evite o Confronto Direto
Use a empatia como ferramenta tática. Ofereça escolhas, valide sentimentos e demonstre que você está ali para ajudar, não para punir. O confronto direto ativa mecanismos de defesa; a colaboração os desativa.
6. Registre a Conduta Adaptada
Relate no boletim de ocorrência que a abordagem foi ajustada devido a sinais de neurodivergência ou crise de saúde mental. Descreva os comportamentos observados, as técnicas utilizadas e o resultado. Isso protege legalmente o agente, documenta a boa prática e contribui para a construção de um histórico institucional de abordagens humanizadas.
7. Busque Capacitação Contínua
A neurodiversidade e a saúde mental são campos em constante evolução. Participe de treinamentos, busque conhecimento e compartilhe experiências com sua equipe. O aprendizado contínuo é a base de uma polícia moderna e eficaz. 
Conclusão: Proteger e Servir a Todos
A capacitação em neurodiversidade e saúde mental não é apenas uma questão de direitos humanos, mas de eficiência e segurança operacional. Um policial que sabe diferenciar um comportamento criminoso de uma crise neurológica ou psicológica está mais preparado para desescalar conflitos, evitar o uso desnecessário da força e proteger tanto a si mesmo quanto o cidadão. Ao adotar uma postura inclusiva, a polícia fortalece a confiança da comunidade e reafirma seu papel fundamental como protetora de todas as vidas, em toda a sua diversidade. Cada abordagem é uma oportunidade de demonstrar que a força da lei caminha lado a lado com a força da humanidade. A verdadeira excelência na segurança pública não se mede apenas pela capacidade de neutralizar ameaças, mas pela habilidade de reconhecer quando não há ameaça alguma — apenas uma pessoa em sofrimento que precisa de compreensão, respeito e cuidado.
“A empatia não enfraquece a autoridade; ela a fortalece. Porque um policial que compreende é um policial que protege de verdade.”
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Este material foi desenvolvido com o objetivo de promover uma segurança pública mais humana, eficaz e inclusiva. Compartilhe este conhecimento com seus colegas de farda e contribua para uma polícia que protege e serve a todos, sem exceção.
Material produzido por Caroline dos Santos RH Lidere-se – Desenvolvimento Humano e Gestão de Negócios